Cinthia Medeiros
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Ciências Sociais - UFRN
Os Estranhos
O Zygmunt Bauman é um intelectual polonês contemporâneo, que contribuiu com o pensamento sobre a pós-modernidade, algumas de suas idéias podem nos ajudar a analisar a tirinha acima, principalmente utilizando o livro “O Mal-estar da Pós-modernidade” o qual ele faz referência ao livro de Freud, “O Mal-estar na Civilização”.
Bauman diz que só a sociedade moderna pensou em si mesma como uma atividade da cultura ou da civilização. Por isso, para ele, seria pleonasmo usarmos a expressão “civilização moderna”. Assim como cultura ou civilização, modernidade aponta/estabelece beleza, limpeza e ordem. A idéia de pureza está ligada à idéia de ordem, na qual as coisas devem estar em seu devido lugar, seguindo normas previamente estabelecidas. “O oposto da ‘pureza’ – o sujo, o imundo, ‘os agentes poluidores’ – são coisas ‘fora do lugar’” (BAUMAN. p.14). Fora do lugar concebido pelos que buscam pelo ideal da pureza.
Os padrões e modelos de pureza mudam de uma época para a outra, de uma cultura para a outra. As pessoas que são obstáculos para a organização do ambiente são tratadas como sujeira, como uma espécie de estranho. Cada tipo de sociedade produz sua espécie de estranho, eles são vistos como uma ameaça à ordem social por serem pessoas que não se encaixam dentro dos padrões sociais (moralmente, esteticamente, etc).
Não há espaço para esse tipo de indivíduos, não há um lugar para os estranhos. As pessoas são consideradas estranhas porque possuem uma tendência a não se limitar às linhas da fronteira da ordem. Algumas pessoas nunca poderão ser “reparadas”, geralmente, essas elas são abandonadas, excluídas, ou até, fisicamente agredidas.
Bauman diz que a anulação desses indivíduos se deu paralelamente a constituição dos Estados, e a partir da constituição das nações novos estranhos surgiam. O sentimento de incerteza, dominante na pós-modernidade, não se limita ao próprio futuro dos indivíduos, mas ao futuro da sociedade em si, da maneira correta de viver nele e dos critérios do que é certo e errado na maneira de viver.
Esse sentimento é tido como uma condição de vida permanente e invencível, o que leva os indivíduos a viver sobre o medo. Não há garantias de um futuro seguro, tudo pode acabar da noite para o dia.
A mídia tem uma grande porcentagem nisso, a mensagem dos meios de comunicação carrega a indeterminação do mundo. Nada é sólido e duradouro, digno de confiança, inclusive a nossa própria imagem de nós mesmos que é facilmente demolida. Dessa forma, “os estranhos já não são autoritariamente pré-selecionados, definidos e separados, como costumavam ser nos tempos dos coerentes e duráveis programas de constituição da ordem administrados pelo Estado” (BAUMAN. p.36). Agora, eles são instáveis e voláteis.
Há uma necessidade de resolver o problema da identidade que é encorajada pelos meios de comunicação de forma instantânea, e que acaba levando a angústia, sendo esta um sintoma universal dos nossos tempos, que tem diversas conseqüências.
O estranho é odioso e temido. Portanto, quanto menos as pessoas controlam suas vidas e suas identidades, mais verão as outras como estranhos e mais freneticamente tentarão desprender-se deles como algo envolvente, sufocante, absorvente.
Para ter acesso/usufruir desses ganhos (ordem, pureza, etc) a civilização paga um alto preço, pois nada predispõem naturalmente os seres humanos a preservar a beleza, conservar-se limpo e respeitar a rotina da ordem. Portanto, na medida em que respeitam e apreciam a beleza, a limpeza e a ordem, sua liberdade e seus impulsos são bloqueados.
Freud diz que “A civilização se constrói sobre uma renúncia aos instintos sexuais e agressivos” e, portanto, os prazeres da vida vêm num pacote fechado com os sofrimentos e angústias, a satisfação com o mal-estar, a submissão com a rebelião. Dessa forma, a civilização assume um compromisso, uma troca que pode ser sempre renegociada, modificada.
A compulsão, a regulação, a supressão e a renúncia forçada apontadas por Freud como mal-estares da civilização da modernidade resultaram do excesso de ordem e de sua inseparável companheira, a escassez da liberdade.
A tirinha, do site Dr. Pepper, mostra como a sociedade pode tratar um estranho, um mendigo - por exemplo - de forma brutal. Ele começa a tornar-se invisível. Os estranhos não querem pagar o preço da liberdade, por isso são excluídos e julgados como corja e depois de um tempo, tornam-se invisíveis. Fica mais fácil tentar ignorá-los ao invés de aceitar o diferente. O autor da tirinha quis mostrar justamente isso, como o diferente, que fica a margem dos limites da ordem social são tratados mesmo que inconscientemente.
Hoje, diz Bauman, vivemos o tempo da desregulamentação. Os ideais de beleza, pureza e ordem não foram, por isso, abandonados, mas agora eles devem ser perseguidos através da espontaneidade do desejo e do esforço individuais.
BIBLIOGRAFIA
BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Jorge Zahar. 1º Edição, 1999.