Rogério Felinto da Silva
rogfelinto2@hotmail.com
Graduando do curso de Ciências Socias, da UFRN.
O conceito de cultura é algo bastante instigante, pois é algo que quanto mais se tenta conceituar, mais se esvai pelas pontas de nossos dedos. Muitos autores se aventuraram nesta perspectiva, limitando o termo a alguma interpretação. No entanto, Ninguém como Terry Eagleton conseguiu expressar bem o significado deste termo, a partir de uma reflexão dialética, apresentando formas contraditórias, para a partir daí termos uma síntese do que poderia ser cultura, num determinado contexto, sem no entanto conceituar.
A palavra “cultura” designa, num primeiro momento “cultivo”, “plantação”, algo que nasce e se desenvolve naturalmente. Aqui já aparece uma das grandes discussões, qual a diferença entre natureza e cultura. Se uma existe sem a outra, etc. No entanto, uma vem da outra e ambas se complementam. Desta maneira, a cultura transfigura a natureza, parafraseando Terry Eagliton. Ou, citando Cuche (1996, p.10) “a cultura torna possível a transformação da natureza”. Ou, “A natureza, no homem, é inteiramente interpretada pela cultura” (CUCHE, p. 10). Outro fator a ser considerado, a palavra está ligada a “cultus”, do latim, que vem o culto religioso, dá-se aqui a dimensão do sagrado na palavra, a relação com o transcendente. Daí também a idéia de “espírito”, a cultura como espírito de um povo. Muitas definições surgem, como a de Tylor, como “um conjunto complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade” (CUCHE, 1996, p.35 apud TYLOR, 1871, p.1). Tylor trabalhava com a noção de cultura como expressão da totalidade da vida social, contrariamente as definições restritivas e individualistas. Outros como Franz Boas, detinham-se na particularidade da cultura. A questão de culturas específicas.
Discussões geradas a partir de então, causa inquietações, como o caso da baixa e alta cultura, discutido por Terry Eagliton. Como podemos aceitar dogmaticamente como padrão de cultura aquilo que foi cristalizado e imposto por classes dominantes européias? Como algo pode ser clássico, pelo simples fato de ter vindo de lá, claro que considerando o caráter de sua universalização. O problema é que dificilmente produtos ou ações culturais advindos de classes subalternas, não européias, alcancem tão universalidade.
Algumas considerações de Eagleton vale lembrar, como na cultura existe uma filosofia, uma teologia, uma política, uma economia etc. Há também uma pedagogia ética, na qual pretende preparar cidadãos éticos. Ela comporta tudo isso, e deve ser estudada sob essas várias óticas.
Raimund Willians descreve diferenciando os aspectos da cultura dando ênfase a cultura como convergência de interesses:
A ênfase no espírito formador de um de vida global, manifesto por todo o âmbito das atividades sociais, porém mais evidente em atividades “especificamente culturais” – uma certa linguagem, estilos de arte, tipos de trabalho intelectual; e ênfase em uma ordem social global no seio da qual uma cultura específica, quanto a estilos de arte e tipos de trabalho intelectual, é considerada produto direto ou indireto de uma ordem primordialmente constituída por outras atividades sociais. (WILLIANS, 2008, 10-11).
Essas posições são classificadas como materialistas (atividades primárias) e como idealistas (cultura como espírito formador,). O autor enfatiza a convergência de interesses exemplificada pelo termo cultura em sua constante e ampla gama de ênfases relacionais. Raimund Willians faz um recorte, e escolhe as artes para trabalhar a produção cultural, vendo na arte este fato social, no qual poderíamos observar a cultura como um todo.
Já Karl Mannheim apresenta uma intelligentsia, como estrato social, uma característica de um grupo específico, que, respaldado por um conhecimento que dá autoconsciência das coisas, age de modo superior, referendando, e não se prendendo a grupos, pois se encontra acima deles. Esta autoconsciência, intelligentsia, realizada a partir da educação, gera homens preparados para a vida, buscando uma democratização do conhecimento, a fim de libertar quem se encontra em situação inferior, levando-os a uma autonomia e, portanto, a mudança social.
Claro, a intelligentsia parte do ceticismo, como afirma Mannheim, a partir do momento que não se acredita em certas verdades, questionando-as, e criando outras formas de ver a realidade. A intelligentsia constitui-se de uma forma de conhecimento de um período histórico, aja visto que o processo cultural está na história, sofrendo mudanças, atualizações, sínteses, e cada época possui sua intelligentsia que referenda-a.
Portanto, cultura está aí, se refazendo momentaneamente, indo e vindo, produzindo e reproduzindo artefatos, manifestado em ações, gestos e obras culturais, bem como nas instituições que as produzem. Cultura nunca poderá se limitar a um conceito, aja visto sua complexidade e imensidão. Nós, uma vez envolto e essa intelligentsia, enquanto aqueles que possuem o mínino de conhecimento, para refletir a cultura, sabemos que não estamos isentos das ideologias, ou seja, visões conservadoras, como também de utopias, ou melhor, mudanças. Fazemos parte da constituição da cultura, que é realizada a cada momento.
Dessa maneira, estudar a cultura é pensar sobre nossa condição de seres humanos. Nossa auto-definição enquanto seres que ao mesmo tempo que recebe nossa estrutura da natureza, muito dela é apropriada pela cultura. É muito interessante pensar sobre isso. Até que ponto nossas ações são resultados de livres escolhas? Ou tudo que fazemos são resultado desta gama de relações que é a cultura?
Muitas questões ficam sem respostas. O fato é que a cultura é esta gama de relações, de interesses, como dizia Willians, que envolve a todos, nos fazendo adentrar no meio e sendo modificado por ele.
Ela está em todo lugar, em todas as ações, instituições, em nossa toda constituição. Até o mais simples gesto nosso é cultural. Isso é fascinante, sobretudo quando vemos que há essa luta de interesses, criação e movimento e resistência e conservação. A cultura diariamente se gladiando, perdendo e ganhando espaços, formas. Nós somos o produto desta cultura que interage simultaneamente, sofrendo influencias e influenciando. O que seria, então o homem, senão essa mistura de símbolos, gestos, rituais, comportamentos, frutos das mudanças e processos culturais. A cultura seria essa toda poderosa, que manda e desmanda nos homens, ditando as regras por onde ele deve seguir, como deve amar, se comunicar. Nada seria realizado livremente, mas totalmente influenciado pela cultura.
O homem é auto-definido pela cultura. “Ages conforme a cultura que recebestes”.
Bibliografia:
CUCHE, Denys. A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru: Edusc, 2002.
MANNHEIM, Karl. Sociologia da cultura. São Paulo: Perspectiva. Ed. Da universidade de São Paulo, 1941.
WILLIANS, Raimund. Cultura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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