domingo, 12 de dezembro de 2010

Experiência e Subjetividade: Como Ambas Interferem no Trabalho de Campo

Rogério Felinto da Silva
rogfelinto2@hotmail.com
Graduando do curso de Ciências Socias, da UFRN.

Partindo de noções prévias, poderíamos definir experiência, filosoficamente falando, como um contato perceptual e cognitivo, com informações exteriores a nós, gerando um novo saber a respeito de algo. Passando pelo pensamento cartesiano, tudo que se apresenta a nossas faculdades mentais, tais como memória, percepção, imaginação, introspecção, é considerado experiência. Vale salientar a involuntariedade da experiência, uma vez que ela não se dá a partir da vontade do indivíduo.
Na perspectiva de nosso estudo, experiência está ligada a origem de conhecimento, e, portanto, parte de uma faculdade:
O conhecimento é alcançado através da visão: a visão é uma apreensão direta, imediata de um mundo de objetos transparentes. De acordo com essa conceitualização, o visível é privilegiado; o ato de escrever é, dessa forma, colocado a seu serviço. Ver é a origem do saber. Escrever é reprodução, transmissão – a comunicação do conhecimento conseguido através da experiência (visual, visceral) (SCOTT, p. 23-24).

Começamos adentrar no escopo de nosso estudo: O trabalho de campo como transmissão de conhecimento a partir de experiências. Retomaremos.
Por subjetividade, poderíamos elencar vários conceitos utilizados pela psicologia, principalmente a psicologia social, mas nos atentaremos a algo mais próprio ao nosso estudo. Ela poderia ser compreendida, basicamente, como “meu mundo”, ou seja, o conjunto de minhas experiências pessoais, algo particular, algo que diz respeito a meus contatos íntimos, formando meu “eu interior”. Portanto, diz respeito à construção de crenças e valores particulares que podem ser compartilhadas na dimensão cultural, constituindo a experiência histórica e coletiva de grupos e populações. Scott citando Teresa de Lauretis diz: “Experiência é o processo pelo qual, para todos os seres sociais, a subjetividade é construída” (p. 31). Sendo assim, a nossa subjetividade (nosso mundo interior) é o resultado de nossas experiências, através da qual somos configurados e colocados na realidade social.
Para Bourbieu a construção da subjetividade está ligada ao processo de socialização primária, ou seja, por um processo de inculcação, de interioridade da exterioridade, no qual o indivíduo gera sua subjetividade a partir de um mundo simbólico interiorizado na infância. “A socialização é o processo por meio do qual o indivíduo é introduzido no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor dela” (BENTO, 1998, p. 8). Este é determinado por um habitus, sistema de disposição durável, que é anterior a ele. E que o definirá seu papel dentro da estrutura social.
O trabalho de campo é a descrição sensível e uma forma de interpretar culturas, baseado na observação participante. Trata-se de transformar em textos experiências vividas.

A observação participante obriga seus praticantes a experimentar, tanto em termos físicos quanto intelectuais, as vicissitudes da tradução. Ela requer um árduo aprendizado lingüístico, algum grau de envolvimento direto e conversação, e frequentemente um “desarranjo” das expectativas pessoais e culturais (CLIFFORD, 1998, p. 20).

Trata-se de um meio de produzir conhecimento a partir de um intenso envolvimento intersubjetivo.
No entanto, traz em si uma característica marcante: “a escrita etnográfica encena uma estratégia específica de autoridade” (CLIFORD, p. 21). Há autores como Clifford Geertz que questiona tal autoridade. Para ele, todo texto ou todo trabalho de campo é uma interpretação, uma leitura que o pesquisador faz de seu objeto de estudo. Portanto, não condiz coma realidade.
Outra característica muito importante a ser levantada é “o desenvolvimento da ciência etnográfica não pode, em última análise, ser compreendido em separado de um debate político-epistemológico mais geral sobre a escrita e a representação da alteridade” (CLIFFORD, 1998, p. 20). Ao mesmo tempo que o antropólogo interpreta a cultura do outro, deve levar em consideração a dimensão política e científica naquele ato. Aja visto a dimensão de autoridade imanente ao trabalho de campo.
Todavia, um problema se levanta: quando é dado ênfase à evidência da experiência. “O que poderia ser mais verdadeiro, afinal, do que o relato do próprio sujeito sobre o que ele vivenciou?” (SCOTT, p. 25). Eis o grande problema a ser resolvido. Não se pode, de maneira nenhuma, ter como verdadeiro relatos de experiências sem, no entanto, levar em consideração o fator histórico. Devemos historicizar a própria experiência, ou seja, sair da experiência, tê-la de forma objetiva, questionando, criticando, sem ter como certo e verdadeiro o discurso dos que estão sendo pesquisados. Temos que sair da fala (discurso) e historicizar, passar por uma visão histórica mais profunda, uma vez que os discursos dos estudados pode muitas vezes ser alterados por algum motivo, seja por interesse, por vergonha, omissão, etc. E, principalmente, porque os discursos são frutos de experiências pessoais, que muitas vezes não condiz com a realidade. Deve-se desnaturalizar os discursos.
Precisamos dar conta dos processos históricos que, através do discurso, posicionam sujeitos e produzem suas experiências. Não são os indivíduos que tem experiência, mas os sujeitos é que são constituídos através da experiência. A experiência [...] torna-se não a origem de nossa explicação, não a evidência autorizada (porque vista ou sentida) que fundamenta o conhecimento, mas sim aquilo que buscamos explicar, aquilo sobre o qual se produz conhecimento. Pensar e experiência desta forma é historicizar. (SCOTT, p. 27).

Ora, “historicizar é exatamente fazer uma análise crítica de todas as categorias explicativas que normalmente não são questionadas” (p.28), inclusive a experiência.
Desta maneira, o que deve ser evitado é a naturalização de informações, como também mudar o enfoque de nossa história:

De uma tendência a naturalizar a “experiência”, através da crença em uma relação imediata entre as palavras e as coisas, para uma outra que trata todas as categorias de análise como contextuais, contestáveis e contingentes (SCOTT, p. 46).

Portanto, o pesquisador, antropólogo, ao realizar um trabalho de campo, na tentativa de mapear, de interpretar uma cultura, ele deverá levar em consideração a experiência de cada indivíduo, o relato de suas subjetividades, sem, todavia, tê-las como verdade, mantendo ao mesmo tempo uma relação de proximidade e de distanciamento objetivo.



Referencias bibliográficas

SCOTT, Joan W. Experiência. IN: SILVA, A. L. da, LAGO, M. C. de S. e RAMOS, T. R. O . (orgs.) Falas de gênero. Florianópolis: Mulheres, 1999, p. 21-56.
CLIFFORD, James. Sobre a autoridade etnográfica. In_: Experiência etnográfica: Antropologia e literatura no século XX. Rio de Janeiro. UFRJ, 1998.
BENTO, Berenice. Um certo mal-estar: queijas e perplexidades masculinas. UnB, 1998.

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