Rogério Felinto da Silva
rogfelinto2@hotmail.com
Graduando do curso de Ciências Socias, da UFRN.
“Vivemos numa época de crescente autoconsciência” (MANNHEIM,1974, p. 69), nos afirma Karl Mannheim, em sua obra Sociologia da Cultura. Segundo este autor, que defende uma “intelligentia”, como extrato social, uma categoria, que o indivíduo foi descobrindo, graças a superação da visão mítica da Idade Média, e tomando consciência crítica das coisas. Isso se deu graças a laicização do conhecimento, e a partir da educação, se daria a democracia do saber. No entanto, essa consciência, “intelligentia”, não foi ainda atingida pela maioria da população, que vive a mercê do conhecimento, numa exploração visual, ideológica, imagética, numa extrema cegueira, recebendo e acolhendo como verdade tudo que é ditado pela mídia.
Se, por um lado, a modernização e evolução técnica trouxe uma certa “libertação” dos indivíduos, no sentido de ganharem autonomia nas possibilidades de conquista e ação, por outro lado, trouxe muita exploração, como também manipulação dos menos esclarecidos.
Segundo Guy Debord, pensador e militante político francês, vivemos numa sociedade do espetáculo, no qual tudo é mediado por imagens. Utilizando do método da teoria crítica da sociedade, argumenta para essa questão, a partir da reflexão marxista, de que “a transformação da questão social em mercadorias a serem consumidas é investigada dentro do contexto do capitalismo contemporâneo (neoliberalismo)” (COELHO; CASTRO, 2006, p.11). Tudo se transformou em espetáculo, da questão social, com o marketing da responsabilidade social à ação política. “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se afastou numa representação” (DEBORD, 1991, p. 9). Aqui nota-se a dimensão histórico-crítica da sociedade do espetáculo. A partir da reflexão sobre os conceitos marxistas de mercadoria, alienação, relações sociais de produção, Debord sintetiza seu pensamento, na busca de uma superação desta realidade. “O capitalismo é fruto de um processo histórico que separou os trabalhadores dos meios de produção e tornou possível a transformação da força de trabalho em mercadoria. [...] A alienação é simultaneamente material e intelectual (cognoscitiva)”. (COELHO; CASTRO, 2006, p.16). Só resta aos explorados por sua força de trabalho “engolir” o que é imposto pelos poderosos, fruto de sua não “libertação” através do conhecimento.
Na verdade, estamos na era em que a comunicação social tomou posse de tudo, seja na rádio, TV, principalmente, jornais impressos ou on-line, vê-se meios de divulgação de informação, que muitas vezes não gera conhecimento, apenas cria e recria imagens na imaginação do povo, sendo canais diretos de políticos, líderes religiosos e/ou outros, sempre trazendo por traz de suas informações, ideologias, formas de dominar e mantê-los “formados” segundo seus princípios. É desta maneira que eles peneiram as informações que irão disponibilizá-las, de modo que só eles coloquem o que quer e como quer, de modo que não difame seus responsáveis políticos. Desta forma, cada emissora produz um discurso para seduzir os telespectadores, guiando-os, ou doutrinando-os segundo seus regras. É neste sentido que FISCHER (2006) afirma “discurso é prática justamente por isso: porque os discursos não só nos constituem, nos subjetivam, nos dizem ‘o que dizer’, como são alterados, em função de práticas sociais muito concretas. Tudo isso envolve, primordialmente, relações de poder” (p. 85). Exatamente neste campo se dá lutas políticas, ideológicas, perpassando também diretamente pela lógica do capital, do mercado.
A TV tenta nos moldar a sua imagem e semelhança, ou seja, tanta nos transformar em seres que não precisa mais de pensar (é o que os poderosos querem), trazendo imagens prontas, em variedades, tornando o homem cada vez mais cego, do ponto de vista do real, uma vez que nos convence a cada instante que o real é aquilo que é produzido por eles, fazendo do indivíduo um ser incapaz de pensar, refletir, naturalizando suas “verdades midiáticas”. Se preocupa em dizer as pessoas como devem agir, o que é o correto, a forma que devem comer, etc. Manipula o imaginário, inculcando valores e regras. O homem perde desta maneira, a sensibilidade, a reflexão, não podendo mais interpretar certas pinturas ou imagens, a fim de saber a real intenção do autor que as criou. A questão do distanciamento é central, e que nesse contexto se perdeu.
Outra coisa importante a se considerar é a questão da formação da nossa subjetividade a partir das imagens. Lacan explica o fato da criança diante do espelho, que, a partir das sensações exteriores forma-se nossa subjetividade, ou melhor, a partir do conjunto de imagens que internalizamos ao longo da vida forma-se o nosso eu, através do processo cognitivo. Pois o que diferencia nossa visão dos animais é “o elaborado sistema de funções cerebrais que organizam os dados dos sentidos transformando-os em conhecimento, experiência e memória” (COSTA, 2005, p.31). Daí a grande importância TV, pois interferi diretamente em nossa visão, gerando armazenamento de dados, muitos dos quais artificiais, falsos.
“Fazer da TV objeto de estudo é dar conta de uma linguagem específica e, simultaneamente, mergulhar na cultura, nas lutas pela imposição de sentidos, nos modos de constituir sujeitos em nosso tempo” (FISCHER, 2006, p. 83).
Finalizando, podemos pensar um pouco sobre como é séria a nossa cegueira. Muitos falam em cegueira espiritual, mas poucos, muito poucos se dão conta da cegueira da visão do real, pois naturalizaram como verdades tudo que é dito nos meios de comunicação de massa. Como é sério a manipulação que sofre os menos esclarecidos, vítimas de um sistema capitalista e político, que alienam seus bens de escolha, de subjetividade, de ação, de moral. A autoconsciência citada no início do texto, de fato, não chegou a sua grande maioria de telespectadores. Vale salientar da grande importância dos que estão a frente destes meios de comunicação de massa, que, uma vez que forem envolvidos pela causa da transformação social, ajam diferente. Contudo, “informar significa, enfim, tornar o cidadão apto a prática da cidadania, e os profissionais envolvidos na gestão da comunicação das organizações públicas têm um importante papel social nesse processo de mudança e formação” (COELHO; CASTRO, 2006, p.209). Assim, poderíamos um pouco alcançar uma “libertação” esperada, no qual, a partir de um engajamento dos responsáveis, e dos telespectadores, não assumiriam como real tudo que oferecido pela mídia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
MANNHEIM, Karl. Sociologia da Cultura. São Paulo: Perspectiva, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1974.
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão e Educação: fluir e pensar a TV. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
COSTA, Cristina. Educação, imagem e mídias. São Paulo: Cortez, 2005.
COELHO, Cláudio Novaes Pinto; CASTRO, Valdir José de. Comunicação e sociedade do espetáculo. São Paulo: Paulus, 2006.
DEBORD, Guy. Sociedade do Espetáculo. Comentários sobre a sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
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