domingo, 12 de dezembro de 2010

O Ensino de Sociologia e a Formação de Alunos Mais Conscientes

Maísa Marchetti Barbosa (UEL) 
maisa.marchetti@yahoo.com.br 
Prof.º Dr. César Augusto Carvalho (Orientador)


A educação no modelo Neoliberal 

   Para analisarmos o atual sistema educacional, no que tange o Ensino Médio, é preciso examinar a Reforma Educacional iniciada no governo Fernando Henrique Cardoso, período em que os acordos  internacionais  tornaram-se marca na suposta democratização dos acessos à saúde, à moradia, à educação. Era a abertura da economia à iniciativa privada, que substituía o Estado nas áreas na qual o mesmo é considerado ineficiente. 
Entendíamos essa cruzada reformista, na qual se empenhava seriamente o governo de Fernando Henrique Cardoso como uma ação política estratégica para a aceleração das   mudanças  sociais necessárias à  nação em face da matriz  política, teórica e ideológica do  projeto de governo de FHC, caracterizada centralmente, pela dependência ao capital internacional. (SILVA JÚNIOR, 2002, p.204). 
   Através desta racionalidade que tem como pressuposto a administração-eficiente, o governo de FHC criou o consenso em que democracia e desenvolvimento constituem a essência do discurso. É a transformação do Estado em um Estado gestor. 
   Essa reforma estrutural teve impactos na esfera educacional. No caso do Ensino Médio, a reforma foi tida como ação política para mudança social, em que os elementos fundantes para essas mudanças foram a economia e o trabalho. Logo, a Educação não é apenas o receptáculo desse consenso, mas também um reprodutor deste modelo.

   A educação, esfera formativa do ser social, passa a expressar o novo paradigma político centrado no epistêmico e na busca do consenso, e toma a realidade social e natural como dada. Elas são, dessa forma e por alguma razão, de ordem metafísica e qualquer conflito deve ser superado num consenso produzido por intermédio da democracia comunicativa, sem questionamentos das contradições que produzem nossa realidade social por meio de relações sociais que se materializam em práticas sociais de qualquer tipo. (....). 
A  realidade  social  contraditória,  histórica  e  produzida  pela  atividade  humana  é negada e é tomada como algo dado que justifica nossos valores, nossas crenças. (...)
Trata-se  de  um  movimento  teórico  de  adaptação  às  mudanças  sociais,  sem questionar as razões dessas transformações. (...)
O  conhecimento orientado pela  existência humana  cede  lugar  à  instrumentalização pelo social naturalizado por meio das convenções que orientam a existência humana. (SILVA JÚNIOR, 2002, p.211-212).


A juventude no contexto educacional

   E  é  imerso  nessa  realidade  educacional  que  está  o  jovem  estudante  do ensino médio,  foco de nossa análise, porém  essa  juventude não é homogênea,  e  como  tal  é produto desta mesma sociedade, ou seja, é uma construção social.
   Ao ser definida como categoria social, a juventude torna-se, ao mesmo tempo, uma representação sócio-cultural e uma situação social  (novamente no  sentido dado por Mannheim).  Ou  seja,  a  juventude  é  uma  concepção,  representação  ou  criação simbólica,  fabricada pelos  grupos  sociais ou pelos próprios  indivíduos  tidos  como jovens, para significar uma série de comportamentos e atitudes a ela atribuídos. Ao mesmo tempo, é uma situação vivida em comum por certos indivíduos. (GROPPO, 2000, p. 7-8).
   Outro  aspecto  levantado  pelo  Luis  Antonio  Groppo  (2000)  é  que  a percepção  de juventude  também  é  diferentemente  vivida  com  relação  aos  gêneros, mesmo quando estes estão em uma mesma classe social.
   Outra  marca  da  juventude  está  na  construção  de  identidades,  que  se diferenciam de acordo com o estilo adotado por cada grupo. A Escola, neste caso é o aparelho do Estado que ajuda o jovem a se inserir na sociedade, como analisado por Eisenstadt, citado por Groppo (2000):
Eisenstadt diagnostica como problemática a passagem da  infância a maturidade na modernidade,  dadas  as  dificuldades  que  os  grupos  etários  juvenis  encontram para construírem funções sociais realmente integradas para os indivíduos jovens, em uma sociedade baseada em critérios universalistas, de desempenho e especialização. A  escola, segundo  Eisenstadt,  foi  criada  para  preparar  o  indivíduo  em  relação  à grande  especialização  econômica  e profissional da  sociedade moderna.  (GROPPO, 2000, p.43).
   E  estar  inserido  na  sociedade,  hoje,  é  estar  inserido  no  Mercado  de Trabalho. Pensando essa  lógica, a LDB 9.394/96 sanciona na seção “Do Ensino Médio”, no artigo n.º 35
“II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade as novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores”.


A obrigatoriedade do Ensino de Sociologia

   A disciplina Sociologia, no Ensino Médio, tem travado uma luta no interior  da Instituição  Educacional  por  um  lugar  maior.  A  obrigatoriedade  nos  currículos  foi promulgada em 2007, abrindo mecanismos tanto para a luta de uma valorização da disciplina.
   A Escola, a organização das atividades  letivas, o espaço (tanto físico como intelectual) que o professor detém reflete esse momento da disciplina na Escola, ou seja, dessa luta por  espaços  iguais. E  esse  contexto  reflete  também  nas  percepções  que  os  alunos têm tanto da disciplina como da Escola.
   Florestan Fernandes (1977) em seu texto O Ensino da Sociologia na Escola Secundária Brasileira,  já elegia o ensino de sociologia como uma das  formas de divulgação dos conhecimentos  sociológicos  e  para  a  formação  de  indivíduos mais  capazes  de integrar civicamente a sociedade, ou seja,  indivíduos mais conscientes de seus direitos e deveres de cidadão.


O objeto da pesquisa

   Este trabalho, portanto, é uma tentativa de verificar empiricamente, isto é na prática, na realidade, aquilo que compreendemos  teoricamente: a educação, objeto de análise dos clássicos. Com essa experiência pudemos apreender o processo de Educação, o ensino de Sociologia e o significado disso para os estudantes do Ensino Médio.
   A  Educação,  como  uma  Instituição,  traz  consigo  as  demandas  do  que  se pretende e  o  que  se  tem  como  sociedade  e  realidade. O Ensino  de Sociologia  dentro  desse processo  é uma das  ferramentas para desnaturalizar  e  estranhar  aquilo que  é oferecido para esses jovens como determinado, como natural.
   Em  uma  observação  pude  analisar  como  os  alunos  percebem  e  atribuem importância  ao  espaço  proporcionado  pelas  aulas  de Sociologia  para  debaterem  a realidade que  os  cerca. Acredito  que  é  apenas  o  início  de  uma  jornada,  já  que apesar  de  existir  no Estado do Paraná por algum  tempo o Ensino de Sociologia, a obrigatoriedade sancionada no ano  passado  traz  novo  fôlego,  principalmente  aos profissionais  da  área  e  para  aqueles  que serão os futuros profissionais.


As aulas de Sociologia

   O Colégio Estadual José Aloísio Aragão ((Colégio de Aplicação da Universidade Estadual de Londrina) é uma escola privilegida se tomarmos o ensino de Sociologia como eixo, diferente de outros colégios estaduais. O Colégio de Aplicação possui o Ensino de Sociologia nos três anos do Ensino Médio, ou seja, desde o primeiro ano os alunos tomam contato com a disciplina.
   O  livro  didático  do  Estado  é  apenas  um  dos  materiais  utilizados  pela professor nas aulas que também utiliza recursos audiovisuais como filmes e músicas. E outra ferramenta  se  constitui nos debates, onde os  alunos podem  expressar  suas opiniões sobre  o tema e conteúdo das aulas.


Conhecendo os alunos do 1º ano do Ensino Médio-turma B

   O  primeiro  ano  do  ensino  médio,  turma  B,  do  Colégio  Aplicação  é composto, em média, de 35 a 40 alunos, equilibrada em número de meninas e meninos. Para apreender como eles assimilam o ensino de Sociologia realizei a observação participante, pois no período cumpri a observação das aulas e a prática da regência. Essa prática do exercício de lecionar  nos  aproxima  dos  alunos,  intervindo  de  forma  efetiva,  no  sentido  do  esforço  de colocar próximo à realidade deles os temas e conteúdos da sociologia. 
   Outra ferramenta utilizada foi um questionário, no qual abordava os anseios dos  alunos  sobre  as  aulas  de  Sociologia;  quais  os  temas  que  eles  gostariam  que  as  aulas tratassem,  a  opinião  sobre  a  escola  e  se  as  aulas  de  sociologia  os  tornam  pessoas  mais conscientes.
   A partir destes questionários, o que pude  entender  é que os  alunos de  um modo geral, gostam da disciplina e dos temas abordados, como podemos perceber na resposta de uma aluna: “Eu penso que as aulas de Sociologia são muito  interessantes pois nos  tiram da  alienação  e  nos  proporcionam 'criticar’  além  da  primeira  impressão,  ou  seja, buscar raízes. Porém, alguns temas abordados em sala são inadequados (na minha opinião) a jovens da  nossa  faixa  etária”. Quanto  à  opinião  sobre  a  Escola,  muito  deles  colocam  que  esta instituição é importante na preparação para a vida, mas precisa rever sua forma de atuação, foi o que pudemos perceber na resposta de um aluno sobre a escola: “Uma  instituição atrasada que  serve  para  nos manter  na  linha”. O  que  nos  remete  a Emile Durkheim,  que  coloca  a Escola como a instituição fundamental para a formação de indivíduos mais harmônicos com a sociedade.
   Sobre a última questão abordada no questionário, se as aulas de sociologia os  fazem  pessoas  mais  conscientes,  os  alunos  responderam  que  sim, que  as  aulas de sociologia os  auxiliam na  formação  crítica de um  ser –  como o  explicitado na  fala de uma aluna: A sociologia me ensinou a ser mais crítica, a ter uma visão mais ampla de tudo, não só ficar pensando sobre as coisas do ‘meu mundinho’.   


Considerações finais

   Este artigo é um esforço para a apreensão e compreensão de como se efetua o processo de aprendizagem, em especial da Sociologia pela juventude(s) de hoje.
   Podemos perceber que os jovens anseiam por mudanças, as quais devem se dar  no  interior  das Escolas.  Na  opinião  deles,  por  sua  vez,  a  Escola  não  acompanhou  o advento  da  modernidade  e as  novas  formas  de  comunicação,  o  que  nos  remete  as considerações que Florestam Fernandes fazia ao ensino secundário no Brasil.

O  ensino  secundário  é  formativo  por  excelência;  ele  não  deve  visar  a  acumulação enciclopédica de  conhecimentos, mas  a  formação  do  espírito  dos  que  os  recebem. Torna-se,  assim,  mais importante  a  maneira  pela  qual  os  conhecimentos  são transmitidos, que o conteúdo da transmissão (FERNADES, 1977, p.110).
                                                           
   O  que  nos  leva  a mais  uma  reflexão:  como  o  ensino  de  sociologia  pode reverter este quadro? O que pudemos perceber, é que a utilização de outros meios, além do ‘quadro negro’ para a transmissão do conteúdo, aproximou os alunos da aula, ou seja, eles se envolviam mais no debate, pois querem que suas opiniões sobre a realidade que os cerca seja ouvida e compartilhada.
   A sociologia neste caso os desperta para a  realidade, como o colocado por Flavio Sarandy (REFERÊNCIA). A apropriação por parte dos alunos de um ‘modo de pensar’ através  do  contato com as  diversas  teorias  e  perspectivas  sociológicas, proporcionaria  a aprendizagem do modo de pensar. Um modo de pensar que pode ampliar a compreensão da historicidade do conhecimento, ou seja, o aluno, através de exercício proposto apreenderia a dinamicidade e complexidade da vida. 


Referências 
DURKHEIM,  Emile.  Educação  e  Sociologia.  São  Paulo: Melhoramentos;  Rio  de Janeiro: Fundação Nacional de Material Escolar, 1978;
FERNANDES, Florestan. A Sociologia no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1977;
GROPPO, L. A. Juventude: ensaios sobre sociologia e história das juventudes modernas. RJ:
DIFEL, 2000;
MALINOWSKI, Bronislaw Kasper. Argonautas do Pacífico ocidental: um relato do empreendimento da Nova Guiné melanésia. SP: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores);
NOSKIER, A. LDB: A Nova Lei da Educação. Curitiba: Secretária do Estado da Educação do Paraná. s/d;
SARANDY,  Flávio  Marcos  Silva.  Reflexões  acerca  do  sentido  da  Sociologia  no  Ensino
Médio: desenvolver a perspectiva sociológica: objetivo fundamental da disciplina no Ensino Médio. Revista  Espaço  Academico  (2001-2003):  www.espacoacademico.com.br  (acessado em 02/02/2007);
SILVA JÚNIOR, J. dos R.. Mudanças Estruturais no Capitalismo e a Política Educacional
do Governo FHC: O Caso do Ensino Médio. IN: Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 23, n.º 80, setembro de 2002, P.203-234. 

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